O futuro do seguro agrícola: como a tecnologia está reduzindo custos e acelerando processos
- 10/ março / 2025
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Por Daniel Miquelluti*
O setor de seguros agrícolas está passando por uma revolução silenciosa, mas extremamente impactante. Tecnologias como inteligência artificial (IA), sensoriamento remoto, IoT e blockchain estão transformando a maneira como riscos são avaliados, apólices são precificadas e indenizações são processadas. O resultado? Redução de custos operacionais, bilhões de dólares em fraudes evitadas e uma aceleração sem precedentes na liquidação de sinistros.
O Brasil, como potência agropecuária, tem muito a ganhar ao adotar esses avanços. Mas como aplicar essas soluções de forma prática? Vamos explorar os modelos que já estão funcionando ao redor do mundo e como o mercado nacional pode se beneficiar.
1. Inteligência artificial e machine learning na precificação e gestão de riscos
A precificação do seguro agrícola sempre foi um desafio: como estimar o risco sem sobrecarregar os custos para produtores e seguradoras? A resposta está nos modelos preditivos baseados em dados históricos, climáticos e satelitais, que reduzem a incerteza e ajustam preços de forma dinâmica.
Nos Estados Unidos, por exemplo, uma grande seguradora agrícola implementou um modelo de inteligência artificial baseado em Large Language Models (LLMs) para apoiar seus subscritores. O sistema, desenvolvido com uma abordagem de retrieval augmented generation (RAG), permite que os subscritores consultem, em linguagem natural, informações sobre regras de cobertura e novas regulamentações governamentais.
Em vez de pesquisar manualmente centenas de páginas de manuais de apólices, o modelo responde instantaneamente com resumos precisos e embasados nos documentos oficiais. Os testes mostraram que subscritores utilizando IA encontraram respostas tão precisas quanto especialistas experientes, mas em uma fração do tempo. Como resultado, o tempo de emissão de apólices caiu significativamente e a seguradora conseguiu lançar novos produtos mesmo em um ambiente regulatório complexo.
No Brasil, as ferramentas semelhantes poderiam ser integradas às operações de seguradoras agrícolas, permitindo que equipes tomem decisões mais rápidas e informadas, reduzindo erros e otimizando a emissão de seguros.
2. Sensoriamento remoto e monitoramento por satélite na regulação de sinistros
A regulação de sinistros sempre foi um gargalo no seguro agrícola. Vistorias demoradas, processos manuais e disputas sobre a extensão dos danos são desafios constantes.
O Departamento de Agricultura dos EUA (RMA) utiliza imagens de satélite, como as do programa Landsat da NASA, para verificar se as lavouras seguradas foram realmente plantadas e identificar fraudes em perdas declaradas. Comparando imagens temporais e analisando o crescimento da vegetação ao longo do tempo (NDVI), os investigadores detectaram casos em que produtores alegaram perda total, mas as imagens mostravam que as lavouras foram plantadas e colhidas normalmente.
Com essa abordagem, estima-se que o governo norte-americano economize cerca de 100 milhões de dólares por ano, evitando pagamentos indevidos. O impacto foi tão grande que, após a introdução dessas imagens como prova em processos judiciais, as fraudes diminuíram significativamente nas regiões monitoradas.
A combinação de imagens de satélite e modelos de aprendizado de máquina pode reduzir drasticamente o tempo de análise de sinistros, garantindo indenizações mais rápidas e justas. Já existem soluções locais aplicando essa tecnologia em larga escala, otimizando o processo de verificação de perdas.
3. Detecção de fraudes com IA e geolocalização
Fraudes representam um risco significativo para seguradoras e elevam o custo das apólices para todos os produtores. O avanço das tecnologias de geolocalização e análise de padrões permite detectar inconsistências com rapidez e precisão.
O USDA Risk Management Agency (RMA), responsável pelo programa federal de seguro agrícola dos Estados Unidos, utiliza algoritmos de machine learning, imagens de alta resolução e mapas GIS para investigar sinistros suspeitos. Com um vasto banco de dados contendo mapas de plantio, históricos de produtividade e registros climáticos, o sistema consegue identificar padrões irregulares.
Um dos casos detectados envolvia um produtor que inflacionava os rendimentos de uma área e, posteriormente, declarava perdas nela. Sobrepondo os dados de produtividade reportada, localização da fazenda e eventos climáticos, o sistema identificou discrepâncias entre as perdas alegadas e as condições reais das lavouras. Além disso, foram descobertas fraudes como manipulação de pluviômetros para simular seca, falsas declarações de danos por granizo e alegações de áreas não plantadas quando, na realidade, foram cultivadas.
Esse tipo de tecnologia ajudou o programa a economizar cerca de 1,75 bilhão de dólares em pagamentos indevidos ao longo de 20 anos, garantindo que os recursos fossem destinados a perdas genuínas. Além do impacto financeiro, a presença desse monitoramento atua como um fator de dissuasão para tentativas de fraude, pois os produtores sabem que satélites, drones e modelos de IA analisam todas as informações em tempo real.
O uso de ferramentas semelhantes poderia fortalecer a integridade do mercado de seguros agrícolas no Brasil, garantindo que as indenizações sejam pagas de forma justa e transparente. Ao adotar esse tipo de tecnologia, as seguradoras poderiam reduzir drasticamente o volume de fraudes, ajudando a tornar o seguro mais acessível para todos os produtores.
4. Blockchain e pagamentos automatizados via smart contracts
Se há algo que produtores valorizam, é previsibilidade. Sistemas de blockchain garantem que, ao atingir determinadas condições climáticas predefinidas, o pagamento da indenização ocorra automaticamente, sem burocracia.
Na Índia, existem estudos para um sistema baseado em IoT e blockchain que monitora a umidade do solo e dispara pagamentos automáticos em caso de seca extrema, reduzindo o tempo de espera dos produtores de 45 dias para minutos.
Com uma agricultura dependente de fatores climáticos extremos, a implementação de seguros paramétricos baseados em blockchain pode tornar a liquidação de sinistros mais eficiente e confiável.
5. Digitalização e acesso facilitado para pequenos produtores
Muitos produtores ainda veem o seguro como algo distante e burocrático. A digitalização do setor tem sido um divisor de águas, permitindo acesso facilitado por meio de aplicativos e plataformas intuitivas.
No Quênia, pequenos agricultores contratam seguros via smartphone por valores acessíveis. Um projeto que começou em 2010 operando com SMS foi modernizado para smartphones e expandido para outros países na região.
O avanço de plataformas digitais especializadas como a Picsel está permitindo que seguradoras brasileiras ofereçam cotações rápidas e contratação simplificada, sem papelada e com transparência total. Isso fortalece a adoção do seguro e protege mais produtores de riscos financeiros.
O cenário global mostra que a tecnologia não é um diferencial – é uma necessidade. Para o Brasil, país que movimenta bilhões no agronegócio, adotar essas soluções significa mais segurança para produtores, menor custo operacional para seguradoras e uma cadeia produtiva mais resiliente.
As seguradoras que saírem na frente na implementação de IA, sensoriamento remoto, blockchain e digitalização vão conquistar uma fatia maior do mercado e ganhar a confiança do produtor rural. O futuro do seguro agrícola é tecnológico, acessível e eficiente – e quem entender isso primeiro terá uma vantagem competitiva decisiva.
Daniel Miquelluti é cofundador e Head de Novos Mercados da Picsel, lidera a criação de metodologias avançadas para diagnóstico de risco agrícola, auxiliando empresas na tomada de decisão estratégica. Sua abordagem combina inteligência de dados e modelagem preditiva para otimizar portfólios de seguros, reduzir custos operacionais e aumentar a eficiência do setor. Especialista em riscos agrícolas, com formação em Agronomia (UDESC), Mestrado em Estatística e Experimentação Agrícola e Doutorado em Economia Aplicada (USP). Com mais de uma década de experiência, desenvolve soluções inovadoras para seguradoras, resseguradoras e empresas do agronegócio, unindo ciência de dados, sensoriamento remoto e agrometeorologia para aprimorar a análise de riscos no setor.