23 de April de 2025
Exclusivo

Especialista em transporte reforça a importância do setor para o seguro agrícola

  • 8/ abril / 2025
  • 0

Ligação intrínseca entre os setores deixa explícito os gargalos logísticos no Brasil

Por Carlos Alberto Pacheco

Sergio Hoeflich, membro da Comissão de Transportes do Sincor-SP

Embora o seguro transporte e o seguro agrícola sejam ramos distintos dentro do setor de seguros, há uma forte ligação entre eles, especialmente na cadeia do agronegócio. O seguro agrícola cobre perdas na produção rural (como lavouras e pecuária) causadas por fatores climáticos, pragas, doenças, etc. Já o seguro transporte entra em cena após a colheita ou a produção, protegendo a carga durante o deslocamento — seja de grãos, insumos, fertilizantes, defensivos ou produtos processados.

Esses seguros complementam a proteção do produtor e da empresa. O produtor pode até ter sua lavoura segurada, mas sem um seguro de transporte, o risco de perda durante o envio da carga continua alto. E as empresas do setor agroindustrial que compram e distribuem produtos também se beneficiam dessa dupla proteção.

Ambos ajudam a garantir a continuidade do negócio, pois a integração entre os dois seguros permite reduzir prejuízos em diferentes etapas da operação, oferecendo mais segurança e previsibilidade financeira ao produtor e às empresas do agro.

O Brasil é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo. Desde o campo até os portos, a mercadoria está exposta a riscos — e a proteção integrada é fundamental para manter a competitividade do setor.

Nesta entrevista ao portal Seguro Rural Brasil, o consultor Sergio Hoeflich fala sobre riscos logísticos no transporte de carga, o impacto das mudanças climáticas, desafios da infraestrutura, entre outros temas. Hoeflich possui reconhecimento técnico e científico para atuar em projetos que impliquem na organização de estrutura de gestão de riscos (EGR) em cadeias produtivas dos seguros, particularmente em operadores logísticos, e desenvolve programas de capacitação continuada e certificação de profissionais. É membro da Comissão de Transportes do Sindicato dos Corretores de Seguros do Estado de São Paulo (Sincor-SP).

Seguro Rural Brasil – Quais os principais riscos logísticos enfrentados no transporte de commodities na safra 24/25 e como as empresas estão se preparando para mitigá-los?

Sergio Hoeflich – Os principais riscos logísticos enfrentados no transporte de commodities durante a safra 2024/2025 estão intimamente ligados aos volumes de cargas movimentados durante o ciclo de safra. Embora os números exatos ainda estejam sendo finalizados, as estimativas atuais para a produção de soja na safra 2024/2025 no Brasil indicam algo na faixa de 150 a 160 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Certamente, os embarcadores deverão utilizar de forma combinada e otimizada os modos de transportes disponíveis para mitigar os seus riscos. Neste contexto, a estimativa para o transporte rodoviário (caminhões graneleiros), considerando uma frota de bitrens e rodotrens, com capacidade média de 37 a 45 toneladas por viagem, serão cerca de 3,75 milhões de viagens para atender esta demanda de movimentação de cargas.  Tendo-se como premissas que um caminhão faz quatro viagens por mês (média considerando tempo de ida e volta), seriam necessários cerca de 780 mil caminhões em operação ao longo do ciclo da safra, considerando uma frota rotativa.

Na utilização do modo ferroviário de transporte de carga, o padrão brasileiro opera com composições de 80 a 120 vagões, com cada vagão transportando 80 a 100 toneladas, as composições com cem vagões podem transportar cerca de 8 mil a 10 mil toneladas por viagem. Desta forma, para prover o total de movimentação desta safra, de cerca de 150 milhões de toneladas, seriam necessários 15 mil a 18 mil composições ferroviárias anuais.

Ao se considerar que cada trem faz duas viagens por mês, serão necessários de 1.250 a 1.500 composições ferroviárias ativas. Os maiores riscos neste modo de transporte são os atrasos por interrupções das operações pelos desmoronamentos e inundações das vias permanentes que venham a afetar as operações ferroviárias. 

Já se for considerada a utilização do modo de transporte hidroviário, as barcaças brasileiras transportam de 1.500 a 2.500 toneladas cada e uma composição típica tem quatro barcaças por comboio, transportando cerca de 8 mil toneladas. Desta forma, para movimentar a safra de 150 milhões de toneladas, seriam necessárias cerca de 8.750 viagens de comboios hidroviários por ano e considerando um tempo médio de ciclo de 15 dias por viagem, seriam precisos 940 comboios ativos. O principal risco no emprego deste modo de transporte é o ciclo de chuvas e secas que podem afetar as operações das vias navegáveis e as hidrovias brasileiras.

Os principais riscos são os gargalos de infraestrutura, segurança, variações de custos dos insumos dos transportes (mão de obra, impostos e combustíveis). Os fatores climáticos também afetam os transportes rodoviários de cargas de commodities no Brasil, entre eles estão as chuvas intensas e enchentes que causam interrupção de rodovias e vias ferroviárias: O Brasil possui uma ampla rede rodoviária, mas não conserva infraestrutura adequada para suportar grandes volumes de água. Enchentes e alagamentos podem bloquear rodovias importantes, como aquelas que cortam a regiões Norte e Nordeste e partes do Centro-Oeste. Na região Norte existe o fator de mitigação de riscos, desde que não esteja sofrendo um ciclo de seca das vias navegáveis. 

SRB – Como os fatores climáticos e mudanças climáticas de longo prazo podem impactar o transporte de commodities e quais estratégias estão sendo adotadas para reduzir esses riscos?

SH – Estes eventos climáticos podem causar atrasos nas entregas sendo especialmente crítico para commodities que exigem entregas no prazo, como grãos, carnes e combustíveis. O desgaste de infraestrutura causado pelas chuvas danifica o pavimento das rodovias, o que aumenta o custo de manutenção e também pode levar a acidentes, causando paralisações temporárias em rodovias, ferrovias e portos. Os mais relevantes riscos são os atrasos e aumento nos custos operacionais, além dos problemas de segurança e de danos às cargas.

SRB – Quais os principais desafios de infraestrutura, como gargalos em rodovias, ferrovias e portos, que podem dificultar o escoamento da safra e como as empresas estão buscando alternativas?

SH – As alternativas para a logística de transportes rodoviário para superar os gargalos na infraestrutura são o emprego racional dos sistemas de monitoramento climático. Protocolos de contingência para eventos climáticos extremos podem ser empregados, mas devem estar alinhados aos requisitos de gerenciamento de riscos exigidos nos planos de gerenciamento de riscos (PGR) aditados aos contratos de seguros. O planejamento das operações através de rotogramas alternativos previamente autorizados devem ser considerados nos planos operacionais. O emprego de sistemas de monitoramento e gestão de tráfego podem contribuir para melhorar a gestão do tráfego, reduzindo os gargalos e permitindo respostas rápidas a incidentes nas estradas.

O emprego dos recursos de Inteligência Artificial (IA) para análise e suporte à decisão otimiza as rotas e melhora a gestão do tempo e recursos no transporte de cargas. A implantação de soluções colaborativas são um desafio maior, mas devem ser consideradas, entre elas a gestão e logística de carga com a realocação de hubs logísticos mais próximos a áreas de produção e aos diferentes modos de transporte, particularmente o ferroviário e o hidroviário, que poderão otimizar o processo de consolidação e movimentação de cargas.

Um desafio a ser enfrentado é a desburocratização e simplificação dos processos, por meio de programas de certificação que visam a melhoria dos processos alfandegários e fiscais, como o do Operador Econômico Autorizado (OEA) que, pelo monitoramento do gerenciamento de riscos nas operações logísticas. visam acelerar o transporte de cargas, minimizando atrasos e facilitando o trânsito de mercadorias entre os diferentes estados e países. Os gargalos logísticos no Brasil exigem uma abordagem multinível que envolve tanto melhorias nas infraestruturas rodoviária, ferroviária e portuária, assim como a adoção de infraestruturas e novas tecnologias, integração de modais de transporte e parcerias público-privadas.

SRB – Como a volatilidade dos preços de combustíveis, commodities e câmbio influencia os custos de transporte e quais estratégias as empresas estão utilizando para lidar com essas oscilações?

SH – Uma das estratégias do setor de transporte de cargas para tratar das oscilações de preços de combustíveis e insumos de transportes e dos preços das commodities poderá ser a utilização de contratos futuros, afim de que as transportadoras possam vir a garantir um preço fixo para o combustível por um período determinado, reduzindo a incerteza e facilitando o planejamento de custos. Um exemplo é negociar contratos de fornecimento de combustíveis ou insumos (como pneus e peças de reposição) com preços fixos, ou com cláusulas de reajustes previsíveis, o que ajuda a mitigar os riscos associados às variações de preço desses insumos. Além disso, o emprego de tecnologias de monitoramento de frotas através de programas de treinamento para motoristas resulta em redução significativa no consumo de combustível.

Técnicas como dirigir a uma velocidade constante, evitar acelerações bruscas e realizar manutenções periódicas nos veículos ajudam a otimizar o uso de combustível e na redução de acidentes que comprometem a disponibilidade dos trechos de cada modo de transporte. No âmbito da proteção das responsabilidades dos operadores logísticos (de armazenagem ou transportes) e do próprio embarcador de cargas, a contratação de seguros é fator de aumento da confiabilidade nas operações e de garantias dos contratos.

SRB – Quais os riscos de segurança no transporte de commodities, como roubos e acidentes, e quais tecnologias e estratégias estão sendo utilizadas para garantir a proteção das cargas?

SH – O setor de transportes deve possuir um planejamento para a redução dos riscos empregando tecnologias de telemetria e rastreamento e monitoramento de frota, com vistas a proteger as cargas de acidentes e roubos, assim como também buscar as proteções financeiras para as garantias contratuais dos níveis de serviços. Ao combinar essas tecnologias, as empresas do setor de transportes podem reduzir significativamente os riscos de acidentes e roubos, além de aumentar a eficiência operacional e a segurança geral da carga.

A integração com sistemas de gestão de risco, com o objetivo de integrar os dados de rastreamento e telemetria com sistemas de gestão de risco e análise preditiva para antecipar possíveis ameaças, trazem benefícios na previsão de riscos. Empregando políticas e programas de guarda de base de dados históricos se pode analisar e identificar padrões que indicam áreas ou situações de alto risco, ajudando a evitar essas situações.

Assim, com a combinação sistematizada de processos de segurança física, patrimonial e de operações, as empresas do setor de transportes poderão reduzir os riscos de acidentes e roubos, além de promover o aumento da proteção das cargas através de contratos de seguros, aumentado a confiabilidade dos serviços e a eficiência operacional, além de prover a segurança geral da carga.

Cada modalidade pode ser customizada conforme o perfil do transporte, as características da carga e os riscos específicos dos trajetos. Em geral, a escolha do seguro adequado exige uma análise detalhada do modal de transporte, do valor da carga, da logística envolvida e dos riscos identificados e gerenciados em cada operação.

*Colaborou o coordenador da Comissão de Transportes do Sincor-SP, Rodinei Silva

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *