Conseguro: como o seguro pode proteger o Brasil das mudanças climáticas?
- 28/ maio / 2025
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“A crise climática vai piorar, junto com as perdas e as incertezas. Mas o setor de seguros tem o conhecimento desejado por todos nesse momento: o da gestão de riscos.”
Por Rodolfo Campos
Com essa mistura de alerta e esperança, Ana Toni, diretora executiva da COP30, sintetizou o espírito do painel “O papel do setor de seguros no enfrentamento da transição climática”, realizado nesta terça-feira (27), na Conseguro 2025.
Com a proximidade da COP30 — a conferência da ONU sobre clima que será sediada em Belém (PA) — e à sombra das recentes tragédias ambientais no país, como as enchentes no Rio Grande do Sul, o debate sobre o papel do seguro na gestão de riscos ganhou centralidade.
Especialistas e autoridades presentes no painel convergiram num ponto: o Brasil não pode mais ignorar sua vulnerabilidade climática e precisa transformar o seguro em uma ferramenta estratégica de proteção social, econômica e ambiental.
“Nos últimos 10 anos, o Brasil teve R$ 782 bilhões em perdas por eventos climáticos, dinheiro que poderia ter sido poupado com um uso mais inteligente do seguro”, destacou o deputado federal Fernando Monteiro (Republicanos-PE). Para ele, mais do que tocar consciências, é preciso “tocar os corações” para mudar a percepção de que o Brasil está imune aos desastres naturais.
O impacto é evidente: apenas no ano passado, as enchentes no Rio Grande do Sul somaram R$ 100 bilhões em prejuízos – mas apenas 6% disso estava coberto por seguros. “Isso significa que 94% das perdas ficaram fora da proteção securitária. É um gap enorme que precisa ser combatido com urgência”, alertou Edson Franco, presidente da FenaPrevi e moderador do painel.
Pedro Farme de D’Amoed, CEO da Guy Carpenter, foi direto: o setor de seguros já sabe como modelar perdas, calcular riscos e prever cenários. O que falta é percepção da sociedade. “O gap de proteção no Brasil é de 95%. Nos EUA, é de 40%. Nossa média anual de prejuízos não segurados gira em torno de R$ 47,5 bilhões — o equivalente a 15% de todo o investimento em infraestrutura do país.”
Segundo ele, há duas razões para esse cenário: a baixa renda média da população e a crença equivocada de que o Brasil é menos afetado por catástrofes. “As enchentes no Sul aumentaram nosso déficit fiscal de R$ 1 bilhão para R$ 40 bilhões. A inação custa caro”, afirmou.
Edward Lange, líder de estratégia e planejamento do Grupo Sancor Seguros, concorda. Para ele, a conscientização sobre o valor do seguro ainda vai levar pelo menos uma geração. “O problema é que os eventos climáticos extremos não vão esperar tanto tempo. A obrigatoriedade pode ser uma forma de acelerar esse processo.” Ele citou a recente lei italiana que torna obrigatório o seguro contra catástrofes para todas as empresas como exemplo de ação concreta.
Do lado do poder público, Cristina Reis, subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda, defendeu a integração do seguro às políticas climáticas e destacou os instrumentos já em curso: a taxonomia sustentável, o mercado de carbono, os títulos soberanos verdes e o projeto do Fundo de Florestas Tropicais para Sempre.
“A crise climática atinge justamente os países mais pobres e as populações mais vulneráveis. O seguro pode ser uma ponte entre o setor financeiro e a proteção social. É essencial que ele participe das regulamentações em construção, como o Plano Nacional de Transformação Ecológica”, afirmou.
Ana Toni reforçou que o setor segurador foi convidado a integrar a construção dos 16 planos setoriais do plano nacional de adaptação que o Brasil levará à COP30. “Queremos transformar a COP em um espaço de implementação, não só de discursos. E o setor de seguros tem um papel central nisso”, declarou.
Os participantes também foram unânimes em destacar que o combate às mudanças climáticas exige um esforço coordenado. “É hora de um grande mutirão. A solução deve vir de todos”, disse Ana Toni. “Precisamos cruzar dados públicos e privados, promover seguros que incentivem planos de resiliência e mostrar que a prevenção custa menos do que o desastre”, completou.
Fernando Monteiro afirmou que tem defendido no Congresso Nacional o plano da CNseg de criação de um seguro social contra catástrofes, com custo entre R$ 2 e R$ 5, cobrado na conta telefônica e cobertura imediata para famílias impactadas com uma indenização entre R$ 4 mil e R$ 5 mil. Além disso, ele propõe a obrigatoriedade de seguros para obras públicas. “Seguro é zelo com o dinheiro público. E precisamos de velocidade. O brasileiro tem pressa.”
O painel terminou com um alerta poderoso: entre 2013 e 2024, 94% dos municípios brasileiros declararam situação de emergência ou estado de calamidade devido a desastres naturais. Só em 2024, já foram registrados 1.690 eventos — média de quatro por dia.
“Estamos em uma crise climática que só vai piorar. O seguro é um dos principais instrumentos para enfrentá-la”, resumiu Ana Toni. Edson Franco reforçou: “É hora de trazer a expertise do setor para a realidade brasileira. Precisamos proteger não só vidas, mas o futuro econômico do país.”