83 mil produtores estão sendo notificados para renegociar dívidas
- 3/ dezembro / 2025
Banco do Brasil usa tecnologia para antecipar risco e evitar calotes no agro
Por Agro Estadão
O Banco do Brasil encerrou o terceiro trimestre registrando um índice recorde de inadimplência de 5,34% na carteira de agronegócio, percentual que, segundo o vice-presidente de Agronegócios e Agricultura Familiar, Gilson Bittencourt, não apresentou melhora até novembro. Ele ressaltou a preocupação com o aumento dos pedidos de recuperação judicial, que têm pressionado os resultados.
Até setembro, o banco contabilizava R$ 6,6 bilhões em operações em recuperação judicial — montante inferior a 2% da carteira do agronegócio, hoje em R$ 398 bilhões. Apesar de representar uma fatia reduzida do total, Bittencourt destacou que as recuperações judiciais (RJ) de produtores rurais têm impacto “significativo” nas provisões e no desempenho financeiro do BB.
Atualmente, cerca de 83 mil produtores estão sendo contatados para avaliar interesse na renegociação prevista na Medida Provisória 1.314/2025. Bittencourt observou, porém, que há clientes que ingressaram com pedido de recuperação judicial e agora procuram revertê-lo para conseguir aderir às linhas previstas na MP. Ele reforçou que, uma vez declarada a RJ, todas as decisões passam a ser submetidas ao Judiciário. “Eu não posso me relacionar com ele como se ele não tivesse toda a sua operação passando por um interventor indicado pela justiça e com todas as responsabilidades envolvidas”, afirmou.
Monitoramento ativo
Com o avanço dos casos, o Banco do Brasil passou a adotar uma matriz de concessão de crédito que segmenta os produtores pelo grau de risco, considerando perfil e histórico individual. O diretor de Agronegócios e Agricultura Familiar do BB, Alberto Martinhago, explicou que produtores com comportamento financeiro regular seguem com condições semelhantes às anteriores, mas que, dependendo da situação, novas exigências podem ser aplicadas. “Conforme o produtor, você pode ter uma gradação, uma exigência de garantia, alguma coisa além do que a gente vinha fazendo nessa nova concessão agora”, disse.
O banco também intensificou o uso de tecnologia para monitoramento de risco, incluindo análise climática e acompanhamento do desenvolvimento de lavouras em tempo real, para detectar rapidamente qualquer sinal de dificuldade que possa comprometer os pagamentos. Além disso, foi implementado um protocolo de contato automático com o produtor 30 dias antes do vencimento da operação, permitindo ajustes ou renegociações antecipadas. “Antes se esperava a operação ficar inadimplente 1, 2, 3 dias para conversar com o cliente. Agora é antes de vencer”, reforçou Bittencourt.
Outra frente de atuação envolve inteligência de dados para mapear municípios e segmentos onde se observam os primeiros sinais de concentração de atrasos. Bittencourt deu exemplo de como esse sistema aciona o banco para agir preventivamente: “Se já tem histórico naquele município, três, quatro produtores já deixaram de pagar, eu já vou até o 5º, 6º e 7º e pergunto: ‘está tudo certo?’”.
Maturação da lei de recuperação judicial
Martinhago também destacou que a recuperação judicial tem sido discutida com entidades do setor, líderes rurais, instituições financeiras e órgãos públicos. Ele avaliou que, embora seja um mecanismo legítimo, seu uso inadequado cria distorções no sistema. “Isso vai criando um mecanismo de mitigação e não é bom para o setor”, disse. Segundo o diretor, o BB tem dialogado com instituições como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para buscar alinhamento sobre interpretações e impactos.
O executivo reforçou que existe preocupação crescente, tanto no meio jurídico quanto no político, sobre os riscos relacionados ao “mau uso” da recuperação judicial no campo. “A discussão é válida, é necessária, para garantir que o mecanismo cumpra a finalidade dele e não prejudique o setor”, afirmou.
Bittencourt acrescentou que o instituto da recuperação judicial ainda está em processo de amadurecimento no Brasil. “Ainda temos muitas interpretações que são muito individualizadas, tomadas por um juiz, de um tribunal aqui ou acolá”, observou.
Ele lembrou que a recuperação judicial rural ganhou mais destaque recentemente, levando produtores a buscarem o instrumento sem total clareza sobre seus efeitos. Em muitos casos, a solução aparente pode resultar em um cenário ainda mais complexo, inclusive com risco de falência. “Muitas vezes se divulga que recuperação judicial é salvação para não se pagar a conta. Só que depende do processo (…). Pode ser muito mais danosa do que uma solução negociada”, afirmou.